Se depender do Greenpeace, quem deve pagar o pato pela destruição da Amazônia é o frango. Mais exatamente, o Chicken McNuggets das lanchonetes McDonalds - e a culpa é toda da soja. Em poucas palavras, talvez palavras de menos, essa é a mensagem do relatório Eating Up the Amazon, que a ONG internacional lançou dia 06/04/06).
Não é simples emitir uma opinião sobre esse relatório do Greenpeace. É uma publicação alentada, visivelmente bem calçada em estudos, estatísticas e relatórios (se servir de indicador, o texto tem 290 notas e quatro páginas de bibliografia). Além disso, resulta ainda de um esforço do escritório do Greenpeace na Amazônia (Manaus) em combinar as armas do geoprocessamento com imagens de satélite, dos sobrevôos no novo avião anfíbio doado por um bilionário britânico e dos contatos com atores locais para instruir suas estratégias e campanhas.
Pode ser desinformação deste blogue, mas há muito tempo não se via um documento da ONG sobre a Amazônia com tanto recheio e alicerce. Recheio e alicerce, porém, não são garantia de sustentabilidade. E o vínculo desmatamento-McNuggets talvez necessite de mais palavras, notas, referências e páginas para permanecer de pé.
A conexão alimentar com a destruição das florestas tropicais tem uma longa história. Nos anos 1980, quando a devastação da Amazônia se tornou escândalo internacional, surgiu a lenda urbana, persistente na Europa, de que as cadeias vendedoras de hambúrgueres eram as maiores responsáveis pelo desmatamento no Brasil. OK, boa parte da derrubada da mata na época era mesmo para implantar pastagens e criar bois, mas o Brasil não exportava quase carne para a Europa. Era impossível rastrear a carne bovina proveniente da Amazônia até o Burger King da Ku'Damm, em Berlim, por exemplo.
Isso nos anos 1980, note bem. Mais recentemente, o CIFOR (Centro para a Pesquisa Florestal Internacional, com sede na Indonésia) mostrou com um relatório muito comentado, A Conexão Hambúrguer Alimenta a Destruição da Amazônia, que o aumento desmesurado das exportações brasileiras de carne bovina, na virada do milênio, estava sendo obtido com a expansão da pecuária na Amazônia. O que era lenda, ou difícil de provar, nos anos 1980, no século 21 estava de fato acontecendo.
O relatório ora lançado pelo Greenpeace parece montado para obter o mesmo tipo de repercussão, ou talvez evocar nos consumidores de países ricos a mesma reação reflexa de rejeitar ou até boicotar produtos de grande impacto simbólico, neste caso o lanche Chicken McNuggets. Segundo o documento, a soja está se tornando um dos principais motores do desmatamento na Amazônia (o que, direta ou indiretamente, é fato, ainda que não o principal) e quase toda a soja amazônica (Mato Grosso) estaria sendo exportada para a Europa, onde é usada para fazer ração, que por sua vez é consumida sobretudo por frangos, que por sua vez são a matéria-prima dos McNuggets.
A organização teve o cuidado de documentar um percurso como esse, mas certamente não é a demanda do McDonalds que está alimentando a expansão da soja no Brasil (China é a palavra-chave, aqui). Pôr a culpa no insosso franguinho prensado e frito pode ser altamente rentável, no plano simbólico-propagandístico, mas também pode expor a ONG à acusação de ter eleito algo arbitrariamente um bode expiatório para o desmatamento. O lieotr que conclua e o diga.
No mais, a ONG está absolutamente certa na indicação do caminho: os complexos da soja, da bovinocultura, da avicultura, da suínocultura, da madeira de lei etc. só passarão a respeitar padrões de sustentabilidade e de qualidade socioambiental, no Brasil, como um todo, se os mercados internacionais começarem ou continuarem a adotar exigências de certificação cada vez mais fortes. Aos produtores brasileiros resta adaptar-se, ou então fiar-se na arriscada estratégia de denunciar a coisa certa a fazer como um estratagema para erguer barreiras não-tarifárias a suas commodities.
Fonte: uol