A rotina de quem tem alergia alimentar e vive tentando entender as informações cifradas nas embalagens dos produtos ou ligando para o serviço ao consumidor das fabricantes está prestes a mudar.
Rótulos de alimentos e bebidas terão que informar a presença dos principais ingredientes que podem causar alergias.
A decisão foi tomada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) nesta quarta-feira (24/06/15).
A norma entrará em vigor no país dentro de um ano, período em que as fabricantes deverão se adequar.
O alerta será feito por meio da mensagem "Alérgicos: contém...", que deve estar visível, em negrito, logo após a lista de ingredientes.
Países como Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia já têm regras determinando que as embalagens tenham avisos quanto à presença de alérgenos.
PRESSÃO DAS MÃES
A mudança ocorre após pressão de movimentos como o Põe no Rótulo, que reúne centenas de mães de crianças alérgicas e conseguiu que a Anvisa realizasse uma consulta pública sobre o tema.
A psicóloga Tatiana Araújo, 28, de Brasília, acompanhou a reunião da Anvisa e comemorou a decisão. "Parece até final de Copa do Mundo para nós. Vai facilitar muito", diz. Seu filho mais velho, Alexandre, 2, reage a traços –quantidades baixíssimas– de leite e soja. O mais novo, Samuel, de 10 meses, tem alergia ao leite.
Antes dessa decisão, uma lei determinava que as empresas informassem apenas a lista de ingredientes e a presença de glúten. Não havia, porém, um alerta específico para quem sofre com alergias.
Além disso, os ingredientes costumam ser informados com letras miúdas e nomes técnicos pouco compreensíveis para o consumidor.
Sem um aviso no rótulo, Carina Vieira, 31, acostumou-se a recorrer ao SAC das indústrias para descobrir se ela mesma e o filho poderiam comer o produto -ambos são alérgicos a vários ingredientes, como leite, soja, ovo e cereais.
Ainda assim, enfrentam dificuldades. "Às vezes dizem que tem [certo ingrediente], e uma semana depois, dão resposta diferente. A impressão que dá é que nem a empresa sabe do que o produto é feito."
"O leite aparecia como caseína, soro, produtos lácteos. Isso confunde quem vai consumir", afirma o médico José Carlos Perini, presidente da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia).
Isso deve mudar, já que a regra prevê que os produtos sejam informados com nomes comuns, pelos quais são de fato conhecidos.
As empresas também terão que informar a possibilidade de contaminação do produto durante a produção –por causa de diferentes produtos processados na mesma máquina, por exemplo. Hoje, a presença não informada de traços de um ingrediente é tido como um dos principais vilões por quem sofre alergia.
Para Perini, as novas informações devem diminuir acidentes por reações alérgicas. Hoje, a estimativa é que de 1,5% a 5% da população sofra do problema. A alergia alimentar pode causar simples coceira nos lábios e desconfortos estomacais até inchaço, fechamento da garganta e choque anafilático.
Representantes das indústrias dizem que o prazo para a regra entrar em vigor é insuficiente. O ideal, defendem, seria de três anos, mesmo prazo adotado na Europa.
Ana Maria Giandon, da Abiad (Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos para Fins Especiais), critica a possibilidade de ter que alterar os rótulos duas vezes –o Mercosul também estuda a mudança.
"Se tivermos que nos adequar à norma no Brasil e depois no Mercosul, o custo será muito alto", disse.
Cecília Cury, do Põe no Rótulo, contesta. "Entendo que tem um custo. Mas o custo das pessoas que estão sendo internadas por reações alérgicas também precisam ser colocados no papel.
Fonte: Folha de São Paulo