Apesar de uma queda de preços ser inviável no curto prazo, não faltarão ovos nas gôndolas dos supermercados do Brasil.
O ovo viveu uma transformação reputacional formidável, digna de ser colocada lado a lado com os melhores cases de gestão de imagem. De um delicioso pecado gastronômico, transformou-se no segundo alimento mais completo existente na natureza, atrás apenas do leite materno.
Não há nenhuma estratégia de Relações Públicas por trás disso. É apenas ciência. Na última década, incontáveis instituições científicas reconhecidas globalmente divulgaram estudos demonstrando um equívoco de interpretação acerca das propriedades do ovo, que é riquíssimo em proteína, vitaminas, sais minerais e tantos outros atributos nutricionais. Agora, aquele suculento omelete não apenas não é proibido, como faz parte da cartilha de diversos nutricionistas, junto com uma boa porção de ovos mexidos no café da manhã.
Impulsionado por esses e outros motivos, o ovo caiu nas graças do prato da população brasileira. O consumo per capita anual saltou de pouco menos de 148 unidades em 2010 para as atuais 241 unidades em 2022.
Multiplique esse número pela população brasileira e você chegará a incríveis 52 bilhões de unidades produzidas anualmente pelas granjas do País. São mais de 1,6 mil ovos por segundo!
O Brasil está entre os seis maiores produtores mundiais dessa proteína. Mas os números já foram mais expressivos. No auge da pandemia, chegamos a um consumo de 257 unidades anuais per capita (2021), com mais de 54,9 bilhões de unidades produzidas.
A produção registrada dois anos atrás é recorde setorial. Foi fruto de um grande esforço da cadeia produtiva em garantir o abastecimento de alimentos, assim como ocorreu com as indústrias produtoras de carnes de frango e suína, que mantiveram a oferta interna de alimentos.
Mas, se as caixas de ovos seguiam abundantes nas gôndolas, o acesso aos insumos básicos para a produção tornou difícil a vida do produtor. Entre 2020 e 2022, o preço do milho e do farelo de soja, insumos básicos que representam mais de 70% dos custos de produção, acumularam altas superiores a 150%. Como resultado, diversos produtores desistiram da atividade. E, nesse contexto, a produção nacional foi reduzida em quase 3 bilhões de unidades – embora caiba lembrar que, antes da pandemia, o Brasil produzia 49 bilhões de ovos por ano.
Mesmo diante deste quadro, a oferta brasileira de ovos seguiu abundante, acima da média mundial de consumo per capita, que é de 230 unidades – isso, em parte, graças às exportações. Embora seja diminuta perante o todo (equivalente a pouco mais de 0,4% do total produzido pelo País), as receitas geradas pelos embarques para o mercado internacional equilibraram as contas de diversas granjas, compensando perdas geradas pelos custos. Afinal, mesmo a alta comparativa de 19% do preço do produto ao consumidor (considerando os últimos 12 meses, de acordo com o IPCA) foi incapaz de compensar uma elevação de custos que supera a casa dos 150 pontos porcentuais.
Hoje o mundo vive escassez de oferta de ovos em muitos lugares. Como presidente de duas entidades vinculadas a esta produção, sou rotineiramente questionado sobre o quadro do setor no Brasil, em contraponto ao que tem ocorrido lá fora.
Pelo mundo, o conflito no leste europeu colocou a produção de alimentos europeia em alerta diante da redução da oferta de grãos e do aumento expressivo dos custos de energia. Tanto lá como na América do Norte há outro problema: um grave quadro de gripe aviária, que feriu severamente a oferta desta proteína nos supermercados.
Recentemente, participei da maior feira da avicultura mundial, em Atlanta (EUA). Numa visita ao supermercado, deparei-me com uma cartela padrão com 12 unidades de ovos vendida por incríveis US$ 7 – equivalentes, numa conversão direta, a mais de R$ 35.
O Brasil é uma terra com talentos naturais para produzir alimentos. Mas também com grande competência em biosseguridade. A enfermidade que gera crise no Hemisfério Norte e em parte das Américas não circula pelo nosso território. Somos livres e nunca registramos casos da doença em nossas granjas. Com focos se avizinhando em nações da América do Sul, temos redobrado os cuidados para preservar nossa capacidade de produzir. Já os custos, por outro lado, não sinalizam diminuição para os próximos meses.
Apesar de uma queda de preços ser inviável no curto prazo, não faltarão ovos nas gôndolas dos supermercados do Brasil. Pagaremos mais do que no passado, mas não experimentaremos as dores da indisponibilidade de produtos que outras nações agora vivenciam. O setor continuará resiliente, auxiliando na segurança alimentar de nosso país.
*PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROTEÍNA ANIMAL (ABPA) E DO CONSELHO DO INSTITUTO OVOS BRASIL (IOB)
Fonte: Estadão